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Como minimizar repercussões metabólicas e nutricionais da Doença Hepática em crianças?

Doenças Hepáticas não são tão comuns na faixa etária pediátrica, mas podem se manifestar em crianças vindas de infecções, alterações anatômicas, genéticas ou metabólicas. A doença mais frequente em lactentes no Brasil, a atresia biliar (obstrução parcial ou completa dos ductos biliares extra-hepáticos). 

Nas doenças hepáticas crônicas, a disfunção hepática é responsável pela alteração no metabolismo de carboidratos, lipídeos, proteínas, vitaminas e minerais, além de sua absorção a nível intestinal. O baixo consumo calórico e proteico devido a compressão gástrica, causado pela ascite ou à hepatoesplenomegalia, promovem um estado hiper metabólico desencadeado pelo aumento na produção de citocinas pró-inflamatórias, causando impactos negativos no estado de saúde e prognóstico da criança. 

A subnutrição em pacientes pediátricos com doenças hepáticas atinge cerce de 60 a 80% dos pacientes em estágio terminal da doença, impactando negativamente os desfechos clínicos mesmo após o transplante hepático, por isso, é necessário um olhar atento ao manejo e manutenção da condição nutricional do paciente.

Os impactos e recomendações nutricionais da doenças hepáticas crônicas (DHC) sobre os macronutrientes:

  • Carboidrato: as hepatopatias causam depleção do estoque de glicogênio hepático, alteração na síntese de insulina e redução de sua sinalização no fígado, podendo resultar em estados de hiperglicemia, hipoglicemia ou intolerância a glicose. A recomendação se mantém entre 40 a 60% das necessidades energéticas totais, levando em consideração a faixa etária da criança.
  • Proteína: dependendo do grau de comprometimento da função hepática, pode haver diminuição na produção de proteínas plasmáticas, como a albumina, pré-albumina, transferrina, proteína ligadora de retinol, lipoproteínas e fatores de coagulação. Os aumentos na necessidade de consumo de proteína podem estar ligados com o armazenamento de glicogênio no fígado prejudicado, estimulando a neoglicogênese, desviando a utilização dos aminoácidos para produção de energia. As recomendações da literatura para crianças com DHC vão de 130 a 150% e 2 a 4g/kg/dia. Embora elevações moderadas de amônia estejam frequentemente presentes dada a impossibilidade de sua conversão em ureia pelo fígado e o catabolismo proteico, sugere-se a não restrição prolongada de proteínas na ausência de encefalopatia hepática, sendo recomendado um aporte proteico de no mínimo 2g/kg/dia.
  • Lipídeos: Há um desbalanço entre as vias lipolíticas e lipogênicas na insuficiência hepática, na maioria das vezes, causando aumento de lipólise e redução na síntese de de triglicerídeos, fosfolipídios, lipoproteínas e sais biliares. A digestão e a absorção de TCL são mais prejudicadas que a digestão e absorção de TCM, uma vez que esses são mais solúveis em água e são prontamente absorvidos pelos enterócitos na ausência de micelas, apoiando o fato da suplementação de TCM ser uma boa opção para estes pacientes, mas não excedendo a 80% da ingestão total de gorduras. As recomendações lipídicas gerais são de 25 a 30% das necessidades calóricas.

Os impactos e recomendações nutricionais das doenças hepáticas crônicas (DHC) sobre os micronutrientes:

  • Vitaminas lipossolúveis: Com a diminuição na metabolização de macronutrientes, sobretudo lipídeos, a deficiência de vitaminas lipossolúveis (A, E, D e K) pode estar presente em 20 a 35% dos pacientes com doença hepática colestática. Alguns estudos apoiam que a maioria dos pacientes com DHC podem receber uma dose multivitamínica padrão e apropriada para a idade ou uma suplementação de vitaminas lipossolúveis em uma solução de água para melhor absorção, apesar da dificuldade em encontrar tais fórmulas no mercado.
  • Minerais: As deficiências de minerais e oligoelementos mais comumente observadas são: ferro, zinco e cálcio, o que torna a monitorização desses micronutrientes essencial para se adotar qualquer tipo de suplementação. A má absorção de gordura também está associada a uma menor absorção intestinal de cálcio e fosfato, o que pode favorecer o desenvolvimento de doenças ósseas. Cabe ressaltar a importância do acompanhamento dos exames laboratoriais, dos sintomas e sinais clínicos, além do apoio das recomendações nutricionais — Dietary Reference Intakes (DRI), Recommended Dietary Allowance (RDA) e níveis de Tolerable Upper Intake (UL).

A avaliação nutricional torna-se fundamental a fim de prevenir a desnutrição e aumento de risco de mortalidade, com olhar atento a história clínica e nutricional do paciente. De modo geral, as medidas de peso para idade (P/I) e peso para estatura (P/E) subestimam o grau de subnutrição nesses pacientes em decorrência da ascite, da hepatoesplenomegalia e da retenção de líquidos. Nesse contexto, a circunferência do braço (CB) e a dobra cutânea tricipital são os parâmetros de avaliação mais indicados, uma vez que melhor discriminam o estado nutricional do paciente, pois são menos influenciados pelo edema e mais sensíveis às alterações que ocorrem em curto espaço de tempo, quando comparadas às medidas de peso e estatura.